terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ouço seu canto ao desembarcar no cais... Sempre imagino baleias em seus passeios diários pelo mar da Baía de Guanabara. Por demais poético? Ouço seu canto ao desembarcar na plataforma IV da Praça XV... Melhor assim ou que cada um faça suas próprias imagens... E mesmo que outros sequer se importem, seus gemidos soam sempre como música aos meus ouvidos. Mesmo com rima, todo esse encantamento dura muito pouco. Não posso dizer o mesmo em relação aos fragmentos das conversas capturadas durante a viagem. A vida alheia faz parte do cardápio e é servida sem cerimônia. Com ou sem consentimento dos ouvintes. Tento me concentrar na leitura. Mas, vencida, desisto. Afinal, não há ficção que vença a vida real de “gente como a gente”. Problemas familiares, discussões triviais entre pais e filhos e questões envolvendo trabalho, quem não os tem? Os temas recorrentes são com espelhos que refletem algo já vivido, presenciado ou compartilhado. Nessa mistura, juntam-se as informações protocolares fornecidas pelos autofalantes da embarcação e solenemente ignoradas por grande parte dos usuários no enquanto corria a barca. Campeãs de desobediência, já foram incorporadas aos nossos mantras diários e continuam insuperáveis: Senhores passageiros... estamos nos aproximando... permaneçam em seus lugares até a atracação. O que dizer do imbatível: É proibido sentar nas escadarias da embarcação. A chegada é nervosa. Os passageiros buscam a saída com passos largos e apressados. Todos sempre parecem estar muito atrasados. A multidão, ante a possibilidade de a embarcação explodir a suas costas, bate em retirada. Divirto-me com essa imagem. Quem sabe busquem a terra prometida sem Moisés? Afinal, não lembro tê-lo visto na barca. Outra imagem também me acompanha sempre. Passageiros saem da Barca e caminham robotizados rumo a uma nave espacial pairando sobre a Avenida Rio Branco. Andam em bandos guiados por seus GPSs. Não falam com os companheiros de viagem. Estejam eles a frente, após, ou ao lado. Hipnotizados por seus smarts, digitam e caminham sem desgrudarem os olhos de suas mágicas e iluminadas telinhas. Todas essas cenas fazem com que o percurso até a Avenida Graça Aranha fique mais curto e muitas vezes, mais divertido. Imaginar o que passa pelas cabeças dessas pessoas, aguça a minha imaginação e acaba sendo o meu melhor passatempo. Continuo caminhando, sem alternativa possível, no desafio dos decibéis: cartão TIM e cartão Oi com internet liberada! Frases que se misturam aos vendedores de sucos, de biscoitos e de salada de fruta natural. Passada a temporada das festas juninas o carrinho de lixo gigante, travestido de carro de som, muda o repertório e vende nova mercadoria: CD Pirata de Piadas. Não entendo nada do que falam. Mas as gargalhadas estão garantidas por já estarem inseridas na obra. Sigo em frente. Todos os dias. Num Rio de Janeiro no singular plural.

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