quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Duas mulheres na janela


Ciléa da Matta

Quando chegamos, elas já estavam lá. Chegaram mais cedo. De propósito. Instalaram-se silenciosamente e ficaram. As duas. Estáticas. Apenas observando. Embora eu não as tivesse visto, com certeza registrei suas imagens em alguma gaveta do fundo da retina. Era tudo uma questão de tempo...

Segui distraída e atraída pelo desejo de soltar a imaginação e libertar-me das amarras e do preço caro do dizer sem volta. Não tão sem volta assim. Aliás, para que então servem as borrachas, as lixeiras, os papéis amassados e o recomeço? Tanto melhor. Soltei o verbo preso. Com cúmplices e testemunhas. Afinal, estávamos todos ali para isso. Menos elas, como pude mais tarde constatar.

As duas mulheres, alheias ao movimento, ao burburinho, ao transbordar das minhas e das palavras alheias, apenas observavam. Será que já haviam sido notadas? Pelo sim, pelo não, permaneceram fracionadas no segundo do tempo. Por isso esperavam. Apesar da falta de iniciativa sabiam que a qualquer momento, sem precisar mover uma palha, seriam descobertas. Não se importavam. Estavam ali para isso. Para serem encontradas, vistas. Com um pouco de sorte seriam escolhidas e... tocadas. Não tinham pressa. Tinham todo o tempo do mundo, por isso esperavam... Tibetaneamente.

Não demorei muito para perceber a perturbadora presença das duas mulheres na janela do meio. Não era isso que elas queriam desde o começo? Vestidos de miúdas flores: cortados e talhados iguais. Cabelos repartidos ao meio e presos atrás da nuca, escondiam coques? Rabos de cavalo? Talvez...Talvez... As mãos descansavam delicadamente, uma sobre cada par e depois sobre o parapeito da janela. A do meio. Os olhares perdidos, das duas mulheres, nos atravessavam ignorando as nossas presenças. Nos rostos bordados de dores, ou de amores, os traços e os caminhos da história de vida das duas mulheres. Aprisionadas. Na janela do meio.

Igualmente prisioneira me rendi ao canto silencioso das duas mulheres. Levantei-me da cadeira e fui me aproximando devagar. Só então percebi dois passarinhos, vizinhos da janela fechada à esquerda das duas. Fingiam que não as conheciam ou não lhes davam importância. Na janela vizinha; a da direita, dois chapéus de palhinha. Cuidadosamente arrumados sobre uma única manta estendida na janela. Por quem esperavam as duas mulheres? Vestidas de flores. Penteadas. Montando guarda na janela. Por que foram e onde foram? Os dois...

Tantas perguntas... Fui me aproximando cada vez mais. Tomei suas ocultas histórias nas mãos. Não se importaram. Capturadas numa fotografia, estavam ali para isso. Para serem encontradas, vistas, escolhidas e...tocadas. Por isso esperaram tanto.

Esfinges. Deixei-as com os outros caçadores de tesouros. Já as haviam descoberto. Peguei minha bolsa. Saí. Sorriso igualmente cúmplice. Completamente enrolada em seus fios.

Hoje, com calma, puxo a ponta e começo a tecer as linhas de meu conto. No ar, sinto o cheiro da lavanda que eternizou o momento da pose e a história, que não cheguei de conhecer. Duas mulheres de vestidos floridos; de rostos bordados; na janela do meio; vizinha de dois passarinhos e o mistério dos dois chapéus de palhinha... E da manta solitária.

Outro dia de insônia... Em algum lugar perdido... Um segredo guardado a sete chaves pelas duas mulheres... Trançado na palhinha ou embaixo dos chapéus? Dá enredo para outro conto.

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